Aprendi, ainda na universidade, a perceber claramente como é que se governa um império e se mantém um poder despótico, com poucos recursos, à custa da famosa táctica « dividir para controlar ».
Não só a Ciência Política estudou profundamente o assunto como na História, na Antropologia, na Psicologia e em muitas outras ciências se vê neste campo uma fértil área de trabalho. A Biologia, por exemplo, nas suas variantes comportamentais, comprova aquilo que outras ciências humanas como a Antropologia ou a História são pródigas em confirmar-nos, isto é, que a nossa civilização chegou onde chegou porque os nossos frágeis antepassados primitivos só conseguiram prosperar e sobreviver a um mundo hostil e dramaticamente selectivo porque... optaram pelo associativismo.
Enfim, veja-se aqui a palavra associativismo como sendo na realidade aquilo que muitas outras espécies de tendência gregária fazem para sobreviver, ou seja, uma união de indivíduos com o fim comum de assegurarem a sobrevivência de si próprios em primeiro lugar e do grupo logo a seguir. De facto, o agrupamento e a cooperação mútua são apreendidos naturalmente por muitos seres vivos, às vezes de espécies diferentes, como forma imprescindível de uma ampliação exponencial das hipóteses individuais de continuar a existir ou de escapar à morte.
No conceito jurídico, as bases gerais da definição de associativismo variam pouco deste conceito, mas surgem outras considerações como as de carácter económico. Assim, a simples união de pessoas ligadas de uma forma duradoura e estável para o cumprimento de um determinado fim prosseguindo uma via comum, distingue as associações das sociedades, como as de carácter comercial, pelo facto de na sua essência as primeiras não serem fonte de proveito económico para os respectivos associados.
A figura jurídica da associação é comum ao direito privado e ao direito público, estando mesmo consagrado no artigo 20º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no nº1 do artigo 11º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 46º da Constituição da República Portuguesa.
Em Portugal, depois de 1974 e entre os utentes do Serviço de Amador de Radiocomunicações, passámos de uma situação aberrante de associativismo obrigatório numa única organização, ( imposta pelo modelo corporativo tão do agrado do « Estado Novo » ), para a situação oposta, após a publicação do Decreto-Lei 594/74 de 7 de Novembro, a qual daria lugar a uma rápida proliferação de associativismo local, regional ou temático.
Se por um lado esta nova fase do associativismo nacional levou ao extremo a liberdade de organização colectiva dos cidadãos, por outro veio em pouco tempo a introduzir alguns pontuais vícios descaracterizantes e muita desunião de facto.
Os radioamadores em Portugal deixariam rapidamente de responder " a uma só voz " para caírem num sistema pouco proveitoso para a esmagadora maioria, baseado em intransigências na defesa dos interesses locais, apostada na cega defesa de assuntos particulares ou temáticos, apenas comparável ao regime feudal que vigorou na Europa durante a Idade Média.
Salvas honrosas excepções e tentativas falhadas de evolução, onde se tentou a via do Federalismo, ( dentro e fora da única associação nacional de radioamadores ), continuamos infelizmente a viver tempos conturbados em que os radioamadores não se procuram entender nem se apercebem do que estão a pôr em causa ao conservarem a reinante mentalidade de « seja feita a minha vontade aqui na terra como ao nível nacional ».
Tendo sido confrontado com situações escandalosas desde que sou radioamador, aproveitei recentes acontecimentos relacionados com o desafio de colaboração com os radioamadores lançado pelo Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil ou pelo ICP-ANACOM em relação ao futuro regulamento nacional para as estações repetidoras de VHF e UHF, para agora fundamentar a minha opinião pessoal.
A proposta para discussão que se segue é fruto de um desalento muito grande com a situação do radioamadorismo a nível nacional e surge a poucos meses de terminar voluntariamente o mandato de Presidente de Direcção de uma modesta associação regional o que me dá, a meu ver, alguma experiência e uma certa independência para poder escrever sobre este assunto.
Um modelo do tipo Federativo ?
Fui mais uma vez recentemente confrontado com uma situação de desconforto quando, ( e com muita razão ), os representantes do ICP-ANACOM numa reunião me comentaram que « uma coisa séria é dialogar com os radioamadores representados a nível nacional por uma única organização reconhecida outra, bem diferente, é ouvir as opiniões, muitas vezes divergentes, de um conjunto de associações ».
Para o Estado e para outros segmentos da nossa sociedade a representatividade mede-se quase sempre em termos do peso demográfico e reconhece-se tacitamente a " ditadura " das maiorias democráticas, sejam realmente representativas ou não, sejam a melhor escolha ou solução para um dado problema ou muito pelo contrário.
O que é facto inegável é que o Estado ou qualquer outra entidade, nacional ou internacional, não dispõe actualmente de uma posição estável e fiável por parte dos radioamadores no nosso país, já para não fazer referência às constantes posições de força que ultrapassam os limites das associações ou de quem por vezes se arroga com reclamação de maiores direitos na representação do radioamadorismo nacional nesta ou naquela situação.
Sendo, como já referi, actualmente Presidente de Direcção de uma associação de âmbito regional, não posso deixar de reconhecer a importância e o papel imprescindível das organizações locais, regionais e temáticas, as quais são em primeiro lugar um testemunho vivo da liberdade de organização colectiva dos cidadãos e em segundo lugar uma oportunidade de conjugação de esforços individuais que têm resultado em excelentes trabalhos em prol do radioamadorismo.
Não seria contudo muito lógico só por esse facto ignorar teimosamente que existem muitas vantagens em mudarmos radicalmente o panorama actual do associativismo nacional, sendo mesmo uma obrigação de sobrevivência termos uma organização que nos represente a todos.
Nem vale a pena o esforço de entrar aqui pela argumentação do prestígio do radioamadorismo ou pelas conjecturas sobre se de facto a união faz a força.
As vantagens e as virtudes de trabalharmos para um sistema nacional de associativismo bem pensado, que saiba gerir as diferenças com inteligência ou que consiga reunir todas as potencialidades que temos no nosso país numa frente comum, trás visíveis benefícios para todos sem excepção.
Em vez de comentar as tentativas anteriores de busca deste mesmo fim, começo a minha proposta com o argumento segundo o qual temos que terminar urgentemente com a actual decadência, com a actual falta de princípios básicos generalizada e com a actual divisão do país em segmentados " feudos ", caso queiramos sobreviver às pressões para mudanças radicais do estatuto do radioamadorismo no nosso país.
As ameaças ao radioamadorismo tradicional são nacionais e internacionais.
Os desentendimentos crónicos entre associações e as lutas por benefícios próprios e nunca por objectivos com expressão nacional, levarão mais tarde ou mais cedo a uma generalização ainda maior do descrédito nos radioamadores, sobretudo se estamos a falar de questões que a todos sem excepção dizem respeito.
Disputas pela representação de Portugal a nível internacional com a legítima titular reconhecida pela I.A.R.U. há mais de 75 anos, ou disputas para liderança de processos de âmbito nacional que fazem surgir sempre várias vias paralelas, também podem contribuir para o lento agonizar do radioamadorismo como o conhecemos, para além das anunciadas e previsíveis perdas de privilégios do Serviço de Amador que são fáceis de antever.
Pode ainda ser o fim do radioamador tradicional o facto de os bons exemplos que se vivem de tempos a tempos por este país fora terem vida curta porque são pouco conhecidos e reconhecidos a nível nacional, beneficiando apenas um número restrito de pessoas e contribuindo dessa forma para o acentuar de visões distorcidas do que pode ser o radioamadorismo por parte de muitos colegas.
A cultura de destruir por todos os meios aquilo que se faz bem só porque não é feito pela " malta da nossa confraria ", só poderá ter um fim anunciado se o trabalho individual fosse daqui para diante assumido a nível nacional e geridas inteligentemente as várias alternativas. Isto implicaria aproveitarem-se também numa mesma organização aquelas iniciativas ou particularidades que todas as associações têm de melhor, sem nunca esquecermos as minorias e o direito à diferença nem pôr em causa a existência do associativismo local, regional e temático.
As possíveis vantagens e desvantagens deste modelo poderão ser encontradas através do estudo de casos idênticos noutros países de onde poderemos tirar excelentes lições.
A análise do plano que se segue para vossa ponderação é, por todas estas razões anteriormente apontadas, o de uma organização do tipo Confederativo e não do tipo Federativo, como até agora tem sido habitual propor-se em excelentes contribuições dos colegas que me antecederam.
Plano de uma possível Organização Nacional de Radioamadorismo em Portugal
1) Proposta para a possível natureza e sede de uma " Confederação de Radioamadorismo Nacional "
Uma confederação tem a particularidade de permitir que organizações independentes suas filiadas possam manter praticamente a totalidade da sua soberania original, sendo mesmo poucos aqueles possíveis pontos em que isso não acontece.
Esta forma de associação entre organismos traduz-se na prática por uma cooperação organizada com objectivos comuns, concretizada em órgãos próprios, sem com isso estabelecer um vínculo de dependência entre os seus membros ou uma perda de liberdade de gestão dos respectivos meios e objectivos individuais. Ao contrário do modelo Federativo, fica desta forma sempre salvaguardada a total independência da liberdade de organização colectiva dos cidadãos de acordo com o Decreto-Lei 594/74 de 7 de Novembro, os quais no entanto se vêm unidos através da única estrutura representativa dos interesses nacionais da sua classe em particular.
Embora não seja obrigatório que isso aconteça, por força das circunstâncias seria muito mais simples e óbvio optar pela estrutura de Rede dos Emissores Portugueses para consumar esta proposta. Para o efeito teriam que ser aprovadas radicais alterações de estatutos daquela entidade o que poderia não ser viável caso não fosse essa a vontade dos respectivos sócios. Caso contrário não poderia, material e juridicamente, substituir-se a actual organização a um modelo confederativo pois não é possível permanecer-se simultaneamente uma associação nacional e tornar-se subitamente uma confederação nacional.
Nesse cenário, a ter que ser pensada uma nova estrutura de raiz ou, em alternativa, a aproveitar-se um dos anteriores projectos de federalismo nacional como a União das Associações Portuguesas de Radioamadores ou a Federação de Associações de Radioamadores dos Açores, as decisões sobre a sede e sobre a representação a nível internacional de Portugal revelar-se-iam uma complicada matéria de previsível difícil resolução, a qual, em última instância, poderia inviabilizar um plano equivalente ao desta proposta.
Uma possível " Confederação de Radioamadorismo Nacional " deveria assumir-se em primeiro lugar como organização representativa dos interesses nacionais do radioamadorismo em Portugal mas podia em simultâneo assumir sempre a título secundário um carácter científico e técnico.
Obrigatoriamente teria que ser independente, isto é, apolítica e apartidária sem qualquer vínculo de ordem religiosa.
Sem dúvida que só poderia estar na legalidade se ficasse bem clara a premissa de ser uma organização sem fins lucrativos e de duração ilimitada, gozando dos privilégios inerentes ao estatuto das restantes confederações a nível nacional.
Este tipo de organização teria que se reger por estatutos específicos, por regulamentação interna adequada e frequentemente actualizada e, claro, sempre pela legislação do Estado Português aplicável a todas as suas actividades.
Em suma, constituir-se-ia primordialmente como a organização representativa dos interesses dos Radioamadores de Portugal ( incluindo as regiões autónomas dos Açores e da Madeira ), de preferência sempre que possível sem prejuízo nem ruptura com anterior trabalho desenvolvido por outras organizações federativas antecessoras com competências muito idênticas anteriormente reconhecidas ou ainda em funções.
Assumir-se-ia ainda como a organização nacional de todos os organismos de radioamadores interessados nos assuntos que constam dos seus fins e objectivos e como primordial parceiro das autoridades nacionais e das organizações internacionais de radioamadores.